quarta-feira, 6 de maio de 2015

Capitulo 7

Anteriormente...

Joe espalhou a loção sobre a pele queimada e espalhou-a devagar, fingindo não ouvir o suspiro de alivio que escapou da garganta de Demetria. Devagar, continuou massageando toda a região avermelhada. Demetria sabia que não suspirava de alivio. Ao longo dos anos, aprendera a esquecer que Joe era seu ideal de homem, mas em momento como aquele, tudo era mais difícil. Sentia-se culpada por conta do sentimento. Joe estava sofrendo, trabalhando como um lunático, e ela se deixava consumir pela luxúria. Era melhor nem pensar nisso. Todos os outros homens com quem saíra haviam sido comparados a Joe, e nenhum deles passara no teste. Começara a desejá-lo no ginásio com a intensidade típica da adolescência. Depois, já adulta, esquecera a paixão e concentrara-se na amizade. Mas quando as mãos acariciavam suas costas... Bem, esquecia de esquecer e voltava a arder de desejo. Droga! Por que tinha de torturar-se daquela maneira?

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- Obrigada - disse, baixando a camiseta e recuperando a loção. Havia suportado tudo que podia. Como dissera a Joe, nunca foi masoquista. Tentando demonstrar alegria, sugeriu: - Que tal um cinema essa noite? Além de estar dolorida, descobri que passar o dia todo sem fazer nada é cansativo. Podemos assistir a um bom filme e depois dormir.

- Podemos assistir a um bom filme sem sair do quarto. A tv a cabo tem exibido grandes produções.

- Vejo que esqueceu mesmo do significado da palavra diversão.

- Por que considera mais divertido ir ao cinema do que ficar aqui e desfrutar do quarto que Chad pagou pra nós?
Se não tivesse certeza de que Selena havia guardado segredo, Demetria teria pensado que ele descobriu todo seu plano. Mas Joe não podia saber nada. 

- Vejo que tenho sido uma amiga muito relapsa. Sabia que estava perdendo a habilidade de divertir-se, mas nunca imaginei que estivesse envelhecendo antes da hora. Felizmente estou aqui para ajudá-lo a passar por isso.

- Tem certeza de que não prefere ficar aqui?

- Ei, eu o convidei para ir ao cinema, não para conhecer a guilhotina. Se for um bom menino, te prometo comprar alguns doces!

- Oh... nesse caso, mal posso esperar para saciar meu açucarado apetite.

Gostaria que ele tivesse outros tipos de apetites mais adultos. Mas levara Joe ao hotel pra que ele pudesse relaxar, não para tirar proveito da situação e satisfazer certas curiosidades. Podia controlar-se. Tinha anos de experiência.

- Comprei os ingressos - Demetria anunciou ao encontrá-lo na fila da lanchonete.

- Ótimo! Mal posso esperar para ver sangue e morte.

- Era minha vez de escolher o filme.

- Oh, não! Você me fez assistir aquele drama romântico na televisão há duas semanas.

- Isso não conta. Não saímos pra assistir aquele filme. Na última vez que fomos ao cinema, você escolheu uma dessas produções violentas e angustiantes.

- Nem me lembro da última vez e que fomos ao cinema

- Pois eu me lembro, e foi você quem escolheu o filme.

- O que vamos ver?

Demetria deu um passo à frente na fila e mostrou os ingressos.

- Vamos assistir aquele filme sobre o casamento de três irmãs.

- Uma comédia? Demi, preciso de sangue e ação!

- Creio que uma das irmãs sofre um acidente, o que talvez significa que haja um pouco de sangue.

- Não quero ver um nariz quebrado. Quero armas modernas e explosões violentas. Suor e testosterona, entende? É isso que um homem aprecia num bom filme.

- Bem, na próxima vez você escolherá, e prometo suportar o suor e a testosterona. Mas essa noite veremos algo que possa nos fazer rir e chorar.

- Homens de verdade não choram. 

Demetria sorriu. Conhecia a verdade sobre Joe, mas também sabia que era tolice comentá-la. Como homem, ele odiava ouvir alguém apontando suas fraquezas. Demetria não as via como fraquezas. Adorava quando ele começava a choramingar numa cena mais romântica ou dramática, mas sabia que ele ficaria furioso com um elogio tão desprovido de testosterona. 
- Bem, então não tem com o que se preocupar. Você pode ficar com o riso e eu com o choro.

- O que vão querer? - perguntou a balconista da lanchonete.

- Um grande pacote de pipocas com manteiga. Um refrigerante gigante e uma caixa de bombons de licor, por favor - Demetria completou o pedido e fitou-o com ar de expectativa.

- E jujubas - Joe acrescentou.

A jovem foi providenciar todos os itens, e ela afagou seu braço.
- Por que fez isso?

Sorrindo, pensou em Chad, o ex-namorado que não sabia comprar confeitos na porta do cinema ou escolher o jantar.

- Porque senti vontade

Uma hora e quarenta e sete minutos depois, consumidos todos os bombons, as pipocas, as jujubas e o refrigerante, Joe e Demetria saíram do cinema.

- E então? Não foi melhor do que sangue e testosterona? - ela perguntou

Joe soluçou. Estava repetindo o som suspeito há meia hora.

- Não - resmungou

- Mentiroso..

- Gosto de filme de ação!

- Oh, eu sei que sim. Mas não odeia filmes românticos e engraçados, como quer fazer o mundo acreditar.

- Está abusando da sorte Demi

- Que medo! - seguindo pela alameda principal do hotel, tomou o caminho da praia.

- Devia estar com medo - Joe ameaçou.

- Por que? Sei que jamais conseguiria me pegar - e começou a correr. Não houve nenhuma resposta, o que a deixou nervosa. Estava acostumada com os gritos de Joe  e suas ameaças vazias, mas silêncio indicava perigo. Olhou por cima do ombro no exato momento em que ele a alcançava - Joe! - gritou apavorada.

- Viver perigosamente é divertido, mas tem um preço - ele anunciou, segurando-a pela cintura com as mãos de ferro. Rindo, jogou-a sobre o ombro. Ah, como sentira falta daquele som. O riso franco parecia ser capaz de mudar o mundo.

- O que vai fazer? - Demetria perguntou

- Já ouviu falar em vingança? - e jogou-a longe. Quando percebeu o que estava acontecendo, ela já mergulhava no mar. A água era morna, mas fazia arder a pele queimada de sol.

- Joe! - Demi gritou.

De joelhos na praia, ele ria como se pudesse perder o fôlego a qualquer momento. Bem, o jogo da vingança havia sido criado pra dois participantes. Depois de emitir um grito agudo e convincente, ela desapareceu sob a superfície da água. Mantendo-se próxima da areia, nadou com movimentos vigorosos e confiantes. Quando ficou sem ar, retornou à superfície sem fazer barulho e encheu os pulmões. Lá estava ele, com água na altura da cintura, gritando seu nome. Joe mergulhou, e segura, Demetria nadou atrás dele.

- Demi, onde você está?

- Bem aqui - ela gritou, saltando e atirando-se contra suas costas. Os dois caíram e levantaram tossindo, tentando respirar.

- Francamente, Demi. Você acaba de roubar dez anos de minha vida! - segurando a cintura fina, afundou-a na água e esperou que voltasse à superfície quase sufocada para continuar - Repita comigo: Nunca mais vou assustar Joe.

- Não!

Ele a afundou novamente

- Repita

- Não! Você mereceu por ter me jogado no mar. - Mais um mergulho forçado - Joe! - gritou, rindo e tossindo. - Lamento tê-lo assustado.

- Não parece estar lamentando.

- Mas estou. Não que não tenha merecido. - acrescentou.

Joe parecia estar considerando o pedido de desculpas, e Demetria preparou-se para o golpe fatal. Usando uma das pernas, atingiu a região posterior do joelho esquerdo. Ao sentir que ele se dobrava, puxou a perna e derrubou-o. 

- Vai continuar fazendo ameaças? - perguntou ao vê-lo erguer-se

- Está ultrapassando todos os limites, mocinha.

- É MESMO? Pois nem imagina como ainda posso correr - gritou, movendo-se tão depressa quanto permitia a situação. Joe a seguia de perto. 

Ainda estavam rindo quando chegaram ao quarto. Joe se divertia, e isso a deixava feliz. Havia sido essa parte da própria personalidade que ele esqueceu, a parte que Ashley roubara, a parte que queria ajudá-lo a reencontrar. A parte brincalhona e divertida. Além de Ashley, nos últimos anos, os casos defendidos por ele na Ericson e Roberts haviam se tornado mais complexos, e Joe abrira mão dessa porção de sua natureza. Demetria sentia falta dela.

- Você não joga limpo não é? - ele perguntou ao sair do banheiro enxugando os cabelos.

Demetria sorriu. Rápida, passou por ele e entrou no banheiro, trancando a porta em seguida.

- Eu tomo banho primeiro. E quanto a sua pergunta, a resposta é não.

O som do riso franco atraiu os olhos de Joe para a porta. Aquelas férias eram tudo que precisava. O fato de Demetria saber disso, de ter ido tão longe pra levá-lo até ali... O pensamento aquecia como nenhum sol tropical podia ter feito.
Não conseguia lembrar a última vez em que sentira tão... relaxado? Não. Cenas nítidas invadiram sua mente. As costas queimadas de Demetria quando espalhara a loção refrescante, a expressão entusiasmada com que saiu da água, a luz enfatizando seus traços... Sempre pensou nela como amiga, uma companheira, mas nos últimos tempos a poção ia perdendo força. De repente se dava conta de que Demetria era uma mulher. E uma mulher espetacular. Não. Relaxado não era a palavra ideal pra descrever o que sentia. Vivo. Sim, era isso. Passou anos tentando encontrar soluções com Ashley. Lembrava-se de ter pensado que o amor não devia ser tão difícil. Se o que sentiam fosse real, como ela teria conseguido passar meses viajando pelo mundo? E por que sempre aceitara as viagens sem protestar? Por que haviam mantido o relacionamento num nível informal, sem assumir compromissos como noivado e casamento? E quando Ashley quebrou a perna e ficou impossibilitada de viajar, os dois foram forçados a enfrentar a realidade. E chegaram à mesma conclusão: o que sentiam não era amor. Era comodismo, familiar até, mas não era amor. Trabalhava para uma firma de respeito, fazendo um trabalho que não despertava seu interesse. Pertencia ao clube ideal, frequentava os melhores círculos, enfim, fazia tudo que era considerado adequado para um advogado em início de carreira. Mas era penas trabalho. De repente tinha a sensação de que durante toda a vida esteve se esforçando por um ideal. No colégio, trabalhou duro para chegar na universidade. Na universidade, estudou muito pra ser aprovado no exame da ordem. Depois pra entrar na melhor firma. Depois pra progredir e conquistar a sociedade. Estava próximo de galgar mais esse degrau, mas cansado demais de tanto esforço. Quando Ashley partiu, percebeu que pagou um preço alto por sua mente obstinada. Ingressou na carreira disposto a fazer alguma diferença na vida de outros seres humanos. Queria consertar o errado, resgatar os oprimidos, mas acabou por analisar contratos intermináveis. Agora estava naquela ilha paradisíaca com a melhor amiga, mas as coisas haviam mudado entre eles. Só precisava descobrir o que devia fazer a respeito dessa descoberta.


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5 pra próxima...